Vivi muitas coisas em toda a minha vida, todos vivem muitas coisas em toda a sua vida. Todos têm motivos para sentir alegria, para sentir arrependimentos, para sentir tristeza, para sentir.
Simplesmente sentir, imagine como seria não sentir? Viveríamos vegetando, ou voltaríamos à pré-história, até antes, no tempo em que nada era exatamente distinguido. Há quem diga que os animais não têm sentimentos, há quem diga que eles são capazes de ter mais compaixão que nós mesmos. E quem poderá responder a esta questão? Não serei eu.
Sobre isso, só contarei meus pensamentos.
Então, pra que me apresentar? Afinal, nem minha história ao menos é. Muitos dizem que uma pessoa pode ser interpretada pela sua maneira de ver as coisas. Então, me interprete.
Em meus mais submersos pensamentos, eu imagino uma menina, uma menina mulata, olhos pretos, roupas precárias, sentada no muro de uma esquina. Chorando.
Vejo-a de longe, tento por um instante interpretar sua mágoa, mas logo meu ego sobe e eu passo reto, sem ao menos olhar para o lado.
Minha passagem por ela não modificou em nada seu choro, sua mágoa.
E assim continuava, por semanas... E a menina sempre a chorar.
Alguém diria que aquilo seria uma tremenda besteira, uma menina assim não poderia chorar por tanto tempo por algo verdadeiramente importante. Será? Talvez.
Outros até tentariam ajudá-la, mas bem, o pensamento é meu, fui eu que fiz uma grande descoberta.
Pularei para uma parte mais importante, o momento em que minha solidariedade falou mais alto que meu ego, ou até, eu mesmo.
Andava novamente pela mesma rua, e a vi. Dessa vez parei e me agachei em frente a ela. Isso não afetou em nada seu choro, ela nem ao menos, me viu.
- O que houve menininha?
Ela levantou a cabeça, olhou para mim, abaixou a cabeça e voltou a chorar.
- Por que choras tanto?
Ela parou de chorar.
- Desfruto de um sentimento, senhor.
Choquei-me.
- Como assim?
- Já fez isto alguma vez?
- O que? Desfrutar sentimentos?
Isso era uma loucura.
- Não, respondi.
- Sabe pelo menos o valor deles?
- A sim, sentimentos são ótimos.
Ela me olhou com cara de quem não havia se convencido e continuou.
- Você não consegue imaginar-se sem eles.
- Claro que consigo.
Era uma menina. Eu não estava levando-a a sério.
- Pode me fazer um favor?
- Qual?
- Continue seu caminho.
Abaixou a cabeça.
- O que? Você é maluca.
- Eu não falaria de uma pessoa assim tão fácil.
- Está me ameaçando?
- Com certeza não.
- Então você é mesmo maluca.
- Quero voltar a falar sobre sentimentos.
O que eu tinha a perder?
- Prossiga.
- Qual é o sentimento mais verdadeiro pra você?
Pensei por um instante.
- Não sei, o amor?
- Você é uma pessoa previsível, senhor.
E ela ainda não se achava uma maluca?
- O que?
- Se eu te desse uma alta, uma bela e alta quantia em dinheiro, mas em troca pedisse que me amasse, você aceitaria?
Pensei por mais tempo dessa vez.
- É meio complexo...
- Mas é claro que é!
Ela disse me cortando.
- Pode explicar?
Eu estava pedindo explicação a uma menina.
- Mas é claro. Você aceitaria o dinheiro e começaria a me amar!
Estava em dúvida.
- Claro que eu não poderia te dar o dinheiro, continuou.
- Por quê?
- Porque o que viria de você seria um sentimento falso, cheio de pura ganância humana.
Pensei um pouco.
- De certo modo, faz sentido.
- De certo modo?
Olhou pra mim com os olhos duvidosos.
- Não?
- Senhor, estarei mentindo se disser que o amor não é um sentimento verdadeiro, assim como muitos outros.
- Então qual é o sentimento mais verdadeiro? Perguntei.
- Fácil, a lágrima.
Fiquei em dúvida novamente.
- Lágrima é uma gota de água. Não um sentimento.
- Seu ego fala tão alto que não lhe permite perceber a importância de uma lágrima.
- O que?
- Pode fazer um favor?
- Continuar meu caminho?
- Dessa vez não, me conte sobre a pessoa que mais odeia.
- O ódio é um sentimento verdadeiro?
- Apenas conte.
- Bem, é uma pessoa pedante, mesquinha, gananciosa, mentirosa, que gosta de sair à noite e gastar dinheiro com um bando de...
- Se não pode falar a verdade sobre si mesmo, senhor, não pode falar a verdade sobre os outros.
- Foi você que me pediu!
- Foi você que aceitou.
Disse ela calmamente.
- Aonde quer chegar com isso?
- Ouviu tudo o que você disse sobre esta pessoa? Isso tudo gerou um sentimento, maravilhoso não?
Ela tava de brincadeira comigo?
- Ódio?
- Exatamente!
- Não estávamos falando sobre lágrimas?
- Sim!
E abriu um sorriso.
- Você é estranha.
Ela me ignorou e prosseguiu.
- Quer saber por que a lágrima é o sentimento mais verdadeiro?
- Sim.
- Porque nunca derramamos uma lágrima que não seja verdadeira. Choramos quando estamos no auge da nossa tristeza, da nossa angústia, da nossa alegria... Tudo proveniente de sentimentos, sentimentos verdadeiros.
- E nas novelas? Você acha que as lágrimas são verdadeiras?
- Para o personagem sim.
- E por que estava chorando? Qual era o sentimento verdadeiro?
- Piedade.
A dúvida voltara.
- Por quem?
- Pelo mundo.
- Por quê?
- Olhe para o mundo agora, veja o que estamos fazendo com ele... Veja o que o ser mais esperto do planeta está fazendo com seu próprio meio ambiente, com seu habitat. E eu tenho pena dessas pessoas...
- Ninguém mais pensa assim hoje em dia.
- Por isso mesmo.
- Como assim?
- Piedade, eu só peço piedade. Para que quando descobrirmos o que fizemos, não seja tarde demais. Eu só entrelaço minhas mãos, fecho os olhos e peço...Piedade.
Pensei por alguns instantes. Ela olhou pra mim e continuou.
- Meu medo, senhor, é que o pior sentimento de todos domine o mundo.
- E qual seria o pior sentimento?
- A ganância.
Ela estava certa.
- É um sentimento verdadeiro?
Ela pensou por alguns instantes.
- A ganância é movida por outros sentimentos, ela nunca chega a um auge, ela sempre quer mais.
- Então não?
- Há algum tempo atrás eu poderia dizer a você que não.
- Então sim?
Ela deu um sorriso de lado e continuou.
- Eu fico feliz por não poder responder isso a você senhor. E espero que você também nunca encontre a resposta desta pergunta.
Olhei no fundo dos olhos dela.
- Também espero.
Levantei-me, me despedi e fui-me... Nunca mais a vi.
A menina era extremamente esperta não? Devo dizer que ela me ensinou algo muito importante naquele dia...
Ela era eu.
Agora meu caro, que desfrutou de uma pequena parte do que penso, deixo por sua conta a interpretação, eu tenho a minha, mas você terá a sua, afinal, somos iguais mas temos sentimentos diferentes a cada momento e assim, interpretações diferentes.
Como disse anteriormente, deixarei que me interpretem.
Prazer, meu nome é Tay.
#GessycaToledoNetto
